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domingo, 13 de setembro de 2015

A crise nas ruas

Nos bares, nos pontos de ônibus, nos corredores das escolas, nos almoços familiares, o tema do momento é “o que vai ser do governo Dilma?”. Há quem torça contra, há quem torça a favor, mas poucos conseguem ficar indiferentes, pois a pergunta relaciona-se diretamente a uma questão de suma importância para a vida de todos: “o que vai ser do Brasil?”.

O clima dominante é de estupefação: “Ela tem um plano B?”; “Você acha que ela cai?”; “Como vamos sair dessa crise?”; "Por que Dilma fez de tudo pra vencer as eleições, apelando pro jogo sujo, se era pra fazer o que tá fazendo?”, perguntam, atônitos.

São pessoas de diversas classes e áreas: a dentista que viu sua clínica na periferia esvaziar à medida que o desemprego ao redor tornava-se endêmico; a cozinheira de um restaurante por quilo que funcionou por 14 anos, até que a combinação de inflação e crise o obrigou a fechar as portas; o advogado com um escritório no centro de São Paulo cujo lucro caiu da casa dos oito dígitos para um montante com o qual não dá pra sustentar a família, recém-aumentada; a faxineira cujo marido diabético e amputado sofre no corpo, a cada ida ao posto ou hospital, os efeitos dos cortes na Saúde; a agente de turismo que só conseguiu manter o emprego dobrando o serviço, mas sem aumento de salário; o jornalista com doutorado no exterior que está desempregado e vê a tesoura de Levy podar até os concursos que poderiam levá-lo à sonhada carreira como professor universitário.

Enquanto isso, em seu universo paralelo - a Petelândia -, a militância do partido que está há mais de 13 anos no poder continua a dar mostras de grave alienação da realidade, utilizando-se de exceções e de exemplos estapafúrdios para negar a crise e repetindo o mantra do golpismo, da velha e pra lá de datada comparação com FHC, e da recusa a qualquer forma de autocrítica (incluindo a negação do estelionato eleitoral praticado por Dilma).

Porém, no mundo real, a crise – que a maioria dos economistas jura que irá se agravar em 2016 – é bem concreta e diariamente vivenciada por um número crescente de desempregados, de pequenos comerciantes exasperados ante o iminente fechamento de sua fonte de sustento, de pais e mães tornados incapazes de prover seus filhos.

São pessoas cuja tensão constante e cujas aflições diárias são gatilhos para o “surto” de depressão e de demais patologias psicossociais que ora acomete nossa sociedade, pois o efeito do desemprego, da falência e da carestia não é apenas econômico, mas psicológico. Liga-se diretamente ao que Vivianne Forrester, no clássico O Horror Econômico, classifica como o “o drama das identidades precárias ou anuladas”, devido “à perda muitas vezes de um teto, à perda de toda consideração social e até mesmo de autoconsideração” (1997, p. 10).

É muito fácil ver a crise a partir do sofá da sala, de forma indireta, refletida na frieza dos números e das estísticas, que quase sempre se prestam a uma manipulação argumentativa. Mas é através do contato com seus efeitos em pessoas de diferentes formações, ofícios e classes sociais que não só ela se evidencia, mas revela sua capilaridade e seu grau de perversidade.

Enquanto a sociedade sofre e debate, ansiosa, a presidente e o ministro da Fazenda, Joaquim Levy estão, neste exato momento, determinando cortes ainda mais profundos, que vão assumidamente incidir sobre áreas sociais - inclusive Educação e Saúde, as mais sacrificadas até agora. Além disso, confirmam um aumento generalizado de impostos que, uma vez mais, poupa os bancos, o mercado financeiro e o rentismo, as entidades religiosas 
e as grandes fortunas, penalizando sobretudo os trabalhadores. 

Resta saber se o governo vai enxugar as suas próprias gorduras, os inacreditáveis 38 ministérios, as verbas publicitárias de R$ 2,5 bi ao ano, as viagens a granel ou o quarto de bilhão gasto em garfos para o Palácio do Planalto. 

Cobrindo ou não o rombo governamental, uma coisa é certa: os cortes anunciados e o aumento de impostos vão refrear ainda mais a atividade econômica, agravando a recessão e piorando a perspectiva de desempregados e de pequenos comerciantes.

São, assim, medidas que reforçam o caráter elitista do governo petista, sua insensibilidade social e seu desprezo pela esquerda, evidenciado na predileção recorrente pela adoção do receituário neoliberal. Fica claro que Dilma e o PT não têm a compreensão das dimensões da crise e da gravidade de seus efeitos na vida dos cidadãos.


(Imagem retirada daqui)

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