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quinta-feira, 2 de maio de 2013

Lobão e o marketing cultural neocon

O irromper de uma onda conservadora na mídia tem lugar em meados dos anos 90 com o jornalismo neocon nos EUA, sob a liderança da Fox News. Logo a tendência espraia-se por boa parte do mundo e, embora ora emita sinais de crise em decorrência do papel do neoliberalismo na crise econômica mundial, no Brasil ainda teima em se manter em evidência, notadamente a partir do conluio entre a Globo de Ali Kamel, a "nova" e marcadamente ideologizada Veja e os principais diários do Sul/Sudeste.

Algumas das características distintivas dessa "modalidade jornalística" são a primazia da desqualificação sobre a argumentação, dos recortes históricos ideologicamente determinados sobre a contextualização criteriosa, de truques retóricos de seminaristas sobre o desenvolvimento dialético das análises.


Truques e esquemas
Assim, como se pode facilmente constatar folheando as publicações mencionadas ou munindo-se de paciência e prestando atenção aos comentaristas globais, sobra agressividade, juízos peremptórios e ajustes da realidade a esquemas reducionistas que negativizam o que quer que não se encaixe ao modelito neoliberal.

Em compensação, tal jornalismo carece de análises matizadas, de questionamentos que superem dicotomias reducionistas e, eventualmente, de uma saudável admissão da dúvida, mesmo porque esta muitas vezes permanece, incômoda e latente, sob o peso das certezas definitivas produzidas por tais analistas simbólicos.


Filhos de Francis
Nesse novo ambiente, o recurso desabusado a opiniões conservadoras, as mais caricaturais, torna-se uma distinção de excelência. E se antes tais excessos se limitavam a Paulo Francis e a seus imitadores menos talentosos - logo seguidos por uma plêiade de jornalistas desorientados ante a visão dos tijolos do Muro de Berlim desabando sobre as aparentes ilusões que a esquerda alimentara ao longo do século XX (caso, por exemplo, de Clóvis Rossi) -, o histrionismo retrógrado passa, na atualidade, a requisito para atrair os holofotes e as páginas da mídia.

O exemplo cabal desse jornalismo neocon é, na imprensa, o blogueiro da Veja, cuja combinação de aparente destemor, moralismo afetado e modos de bedel serve como uma luva a jovens que, à desidentificação natural com o poder – ora na mão da centro-esquerda -, aliam, muitas vezes, péssima formação cultural e agudo complexo de inferioridade, combinação perfeita para se deixarem cooptar pela retórica barata e pelo maniqueísta do "tio" de Veja, o qual uma legião idealiza.



Síndrome de Fausto
Já na TV, malgrado os esforços de Marcelo Tas e sua indignação seletiva, o personagem que melhor encarna o espírito neocon é Arnaldo Jabor, com seu ódio desmedido e democrático, voltado a Venezuela, Bolívia, Argentina, Cristina Kirchner, Lula, Dilma, sem fazer distinção.

Trata-se de alguém que claramente não acredita mais no que diz, e a sua tristeza de intelectual que se vendeu para o sistema e tem plena consciência disso é uma latência tão mal reprimida em suas falsamente escandalizadas, pseudo-cômicas performances que se impõe, epifânica, a o que quer que ele esteja dizendo, à revelia do arsenal de caretas, trejeitos e exibicionismos verbais de que lance mão.

Assim, cada aparição do "maestro epilético" (apud Emerson Luis) é sempre impregnada da tragédia de sua trajetória, de pensador exuberante e cineasta talentoso, cultuado e respeitado pelos que hoje o abominam, a triste palhaço da direita, cada vez mais previsível e monotemático – e, portanto, cada vez mais anacrônico -, sobrevivendo das sobras que a carcomida plutocracia midiática de quando em quando lhe atira.



Happening e vácuo cultural
Divulgadas hoje, as reiteradas declarações de Lobão contra os guerrilheiros que lutaram contra a ditadura e os receptores de indenização pelos crimes cometidos pelo Estado ditatorial inserem-se na mesma lógica do jornalismo neocon, agora deslocada para uma atividade marqueteira na área cultural. Historicamente não se sustentam e, de tão absurdas e descoladas da realidade que são, não se credenciam – e nunca o farão, mesmo porque não é este o objetivo - para ser levadas a sério.

Tal estratagema só é bem-sucedido, é bem verdade, graças à soma de problemas estruturais do setor com as atuais fragilidades da área cultural, estas ditadas, em sua maioria, pela posição extremamente periférica que a cultura voltou a ocupar na agenda federal desde o início do governo Dilma e da recusa deste em assumir uma postura ativa, liberta das amarras ditadas pelos resquícios do neoliberalismo como orientador de políticas culturais no Brasil – do qual o modo de funcionamento das leis de incentivo que ora são o sustentáculo da quase totalidade da atividade cultural atual é o maior exemplo.



"Falem mal, mas falem de mim"
Seja como for, as declarações estapafúrdias e caricaturalmente conservadoras – além de, no caso, agressivas à verdade histórica e aos Direitos Humanos - provocam o happening e, daí, a repercussão desejada, cumprindo sua função de auto-divulgação pessoal através do escândalo.

Trata-se de um truque do qual, na música brasileira, o tropicalista Caetano Veloso é fundador e mestre, e cuja maestria ao praticá-lo só rivaliza com seu talento como compositor e cantor – mas este quesito, o talento, ainda que sempre o tivesse em doses bem mais modestas, Lobão deixou de exibir, na melhor das hipóteses, no início dos anos 90. E lá se vão duas décadas em que o ex-enfant terrible do rock nacional "sumiu", tornando-se um desconhecido para as novas gerações, que agora ele tenta conquistar com truques de marketing neocon.



Disputa acirrada
De lá para cá, portanto e para tanto, virou isso: piadinhas sobre os torturadores "que só arrancaram uma unhazinhas"; o escândalo fácil buscado, com agressividade e desrespeito pela vontade popular, a cada entrevista; o talento, decadente, reprimido sobre uma pesada carga de inautenticidade voltada a agradar a mídia corporativa.

Esta última característica é um denominador comum entre Lobão, Arnaldo Jabor e Marcelo Tas – o trio midiático que disputa com avidez, palmo a palmo, o cargo de bobo da corte da direita derrotada.


(Imagem retirada daqui)



4 comentários:

Anônimo disse...

Melhor descrição possível e imaginável já feita do ex-cineasta. Sempre me perguntei: o que foi que o levou a abandonar uma bela carreira por trás das câmeras, para exercer esse papel lamentável?

Marcelo Delfino disse...

Senti que o autor do texto também tem sérias restrições à política cultural do Governo Lula-Dilma. Então o autor concorda pelo menos neste ponto com Lobão, que é o tipo de sujeito que mistura absurdos (como a história das unhazinhas) com verdades e arremessa tudo junto pra ver se as verdades legitimam os absurdos. Sem sucesso.

De fato, a política cultural do Governo Lula-Dilma está toda errada. Como também estava a do Governo FHC. Aí aparecem os aproveitadores. Até os outrora punks da Plebe Rude já gravaram CDs com patrocínio da Petrobrás, do Governo Federal e do GDF já na Era Agnelo Queiroz!

Levemente Insano disse...

Bom texto, camarada.
O interessante é que de tanto questionar a postura extravagante de Caetano Veloso, exibicionista como ele só, Lobão parece estar seguindo a trilha outrora traçada pelo baiano!
Nada como um dia após o outro...

Jacqueline disse...

Melhor análise impossível.