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quarta-feira, 21 de novembro de 2012

Kassab, Claudia Costin e os limites da realpolitik

Os limites entre, de um lado, a composição de alianças necessárias à governabilidade e à expansão da hegemonia política da aliança governista e, de outro, seus contraefeitos programáticos, ideológicos e éticos têm sido uma questão recorrente desde a ascensão do PT ao poder.

Apesar de toda a indignação que algumas dessas alianças provocam, soa a autoilusão e falta de realismo político a presunção de que o Partido dos Trabalhadores conseguiria efetivamente governar o Brasil sem a aliança com o PMDB - ou seja, sem dividir o poder com Sarney, Renan Calheiros e demais personagens que, em pleno século XXI, evocam, justa ou injustamente, a mística do coronelismo, do patrimonialismo e da corrupção. O sistema político brasileiro – que um cientista político chamou, com mordacidade, de “parlamentarismo presidencial” - praticamente impõe a formação de amplas coalizões governamentais. Do contrário, o isolamento palaciano e a impossibilidade de consumar um programa de governo tornam-se ameaças reais – Jânio Quadros e Fernando Collor que o digam.

Por outro lado, seria negligência desprezar o quanto tais alianças acabam por abrir flancos que tornam o PT vulnerável a críticas que exploram implicações éticas. O próprio escândalo do “mensalão” deriva de tal dinâmica, já que seu dínamo indutor vem da instisfação do PTB de Roberto Jefferson para com o modo como a Casa Civil de José Dirceu vinha partilhando as benesses do poder.


O fator mídia
A mídia nativa, por sua vez, comprometida com a agenda do conservadorismo e visceralmente antipetista, explora ao máximo tais flancos, valendo-se das armas do denuncismo neodenista e de um duplo sistema de valores, o qual, por um lado, supervaloriza e trata como fato consumado os mínimos indícios de irregularidades dos governos petistas e, por outro, negligencia a cobertura até de graves e comprovados casos ocorridos na seara demotucana – como o modo como a privataria tucana e a invasão de Pinheirinho (não) foram tratadas nos jornais e na TV ilustra de forma irrefutável.

O fato de a política petista de alianças receber dos órgãos de comunicação campanha condenatória a priori, numa prática incompatível com a deontologia do jornalismo, com a verdade dos fatos e com uma democracia avançada, não significa, no entanto, que toda e qualquer aliança seja válida e esteja isenta de questionamentos éticos – e a prova disso é o mal estar que algumas coligações recentes, cuja elasticidade extrapola consideravelmente a faixa do espectro político à qual o partido historicamente se filia, têm causado entre simpatizantes e eventuais eleitores do PT, muitos dos quais vacinados contra o moralismo casuísta da mídia.


Realpolitik e hegemonia
Para melhor contextualizar a questão, convém recordar, ainda que de forma breve, o processo de formação da coligação que levou Lula à Presidência: superando resistências internas e externas, a aliança capitaneada pelo PT, que teve como principal parceiro o PMDB, incluiu partidos conservadores como o PP, o PL e o PMN (além do PTB e dos esquerdistas PCB e PC do B). Foi amalgamada sob o comando de José Dirceu, com a colaboração decisiva de José Alencar para o estabelecimento de diálogo com alguns setores do empresariado, refratários ao petismo. Por ter sido anunciada antes da eleição, foi dado ao eleitor saber a que forças políticas estaria dando o seu voto.

A partir daí, porém, se assiste, no bojo do início claudicante da presidência Lula, da crise política advinda com as denúncias do “mensalão” e das tentativas ininterruptas da imprensa e da oposição de manterem, via denuncismo, o governo nas cordas, a um esforço renitente de ampliação da base aliada, o qual volta e meia provoca surpresa ou indignação, como na aliança com o ex-presidente Fernando Collor, que, além dos ataques baixíssimos a Lula na campanha presidencial de 1989, um dia após tomar posse como senador eleito pelo PRTB trocou este partido pelo PTB, a convite de ninguém menos que Roberto Jefferson.

Nessa altura, ao passo em que setores da militância tornam-e adeptos, eventualmente entusiasmados, de um pragmatismo infeso a poderações éticas ou ideológicas, um sentimento antes difuso de que há limites para a realpolitik - presente em maior ou menor grau desde o início do governo - e o questionamento acerca da relação custo-benefício inerente à ampliação da hegemonia petista – e dos limites desta - ganham corpo mesmo entre setores pró-PT. O choque entre essas duas visões, latente no decorrer da última década, se tornaria explícito nas eleições municipais paulistanas deste ano.



Eleição de Haddad
Durante tal campanha eleitoral, a aliança com o PP de Maluf provocou quase um cataclismo nas hostes petistas, e justamente por, com direito a foto e beija-mão no palacete do político, ter soado menos como uma aliança partidária visando tempo televisivo e mais como um pacto para exploração do decadente mas ainda efetivo prestígio de Maluf entre segmentos do eleitorado. Se o apoio do PP e de Maluf foi determinante para eleger Haddad não se sabe, mas que talhou uma ferida ética a evidenciar a falta de escrúpulos no atual modo petista de fazer política, afagando um criminoso internacional procurado pela Interpol, não há dúvidas.

Para completar, mal se elegeu e Haddad viu-se numa saia justa herdada de tal aliança, com seu silêncio ante as inquirições acerca da condenação imposta pela corte de Jersey ao político brasileiro mais suspeito de corrupção na história recente do país, a qual o obriga a devolver U$22 milhões aos cofres da Prefeitura de São Paulo. A militância petista tentou culpar a imprensa, mas desta vez não procede, pois é, sim, interesse do cidadão saber o que a Prefeitura fará para se certificar de receber o ressarcimento determinado pela Justiça.



Tucanos e peessedistas
Neste momento, a questão das alianças uma vez mais se recrudesce: anteontem, o governo Dilma anunciou a nomeação da tucana Cláudia Costin para a Secretaria de Ensino Básico do MEC, para desgosto de pedagogos sérios, temerosos da gestão de uma administradora que já deu mostras suficientes de ter uma visão privatista de educação. Causa estupefação que um partido como o PT, com acesso a quadros de alto nível na universidade brasileira, prefira colocar uma área essencial da Educação sob responsabilidade de uma típica gestora aos moldes peessedebistas.

Mas não para aí: acaba de ser costurado um acordo com o PSD de Kassab para que apoie a gestão de Fernando Haddad – em troca, entre outras benesses, da manutenção de uma grossa fatia de poder na Câmara Municipal, é claro.

Deve ser difícil para o cidadão comum compreender como o mesmo partido que passou meses , desqualificando Kassab, chamando-o de serrista, higienista, “fascista” e outros istas, se alinha com o futuro ex-prefeito já no mês seguinte às eleições municipais. Trata-se do tipo de procedimento que, à revelia de ser politicamente proveitoso para o PT ou não, tende a soar extremamente questionável, desabonador para os padrões éticos da sigla, mesmo no julgamento de muitos eleitores ou simpatizantes.


Vácuo ideológico
Além disso, é desnecessário apontar que Kassab – que tem elos históricos com José Serra - já deu mostras mais do que suficientes de não ser confiável como aliado, além de amorfo do ponto de vista político-ideológico (tornou-se um clássico do oportunismo sua declaração de que “O PSD não é de direita, esquerda ou centro”). Soa no mínimo displiscente que um partido que acaba de vivenciar o imbroglio do “mensalão” insita em se aliar com raposas políticas, como tais, pouco leais e comprovadamente volúveis.
Assim, Insisto em questionar:

1) Se o PT quer se apresentar, na capital paulista, como uma alternativa ao demotucanato, como fazê-lo se aliando justamente a uma figura política que ven sendo, por muito tempo e até um mês atrás, um dos símbolos da hegemonia demotucana em São Paulo e de muito do que o PT alega combater?
2) Qual o limite, para a centro-esquerda, de relativização dos valores éticos e ideológicos, e a partir de que ponto, ao adotar esse relativismo, ela mimetiza valores conservadores, os relativiza enquanto tais, e com o conservadorismo se confunde?

O risco da indistinção 
Esta última questão afigura-se fundamental, e tem levado à reflexão setores que historicamente apoiaram o PT, no funcionalismo público, humilhado na campanha salarial deste ano; na classe média urbana progressista, que se tornou vítima da histeria totalitária ora vigente contra tal classe social; e entre ideólogos e intelectuais, hoje tão desprezados pelo partido e por sua militância, cujo culto messiânico a Lula inclui a exaltação da intuição em detrimento da reflexão – uma inversão de valores que, paradoxalmente, o próprio Lula repetidas vezes desautoriza, com a centralidade que atribui à educação.

É palpável - e fenômenos como a movimentação causada pela candidatura de Marcelo Freixo no Rio o demonstram - que há, atualmente, entre parcelas dos apoiadores e aliados históricos do PT, um cansaço para com o excesso de pragmatismo em detrimento da coesão político-ideológica, vicissitude que está longe de se limitar às questões relativas a coligações – abrangendo temas como retorno à privatização, ênfase na gestão econômica, não-priorização de Educação e Saúde e trato truculento com o servidor público -, mas para a qual as alianças com tudo e com todos, à revelia da coerência e da ética, contribuem consideravelmente. 

A partir do momento que o PT se alia com o adversário demo-peessedista que até ontem combatia e que nomeia uma tucana para cuidar do ensino básico, torna-se cada vez mais iminente o risco de o partido, malgrado os inegáveis avanços sociais que vem patrocinando, nublar os princípios e conteúdos programáticos que o distinguiriam dos partidos que a ele se opõem.


(Imagem retirada daqui)

Um comentário:

Aquiles Lazzarotto disse...

Obrigado, Maurício, pela informação. Mas o fato de ela não ter aceitado não muda uma vírgula do que consta em seu texto. É até pior, conforme comentou o Idelber Avelar: ainda levou um NÃO na fuça, hehehe.
Não obstante, já subscrevi o abaixo-assinado contra a nomeação da Costin, a partir de link do Viomundo.

Abraços,

Aquiles