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quarta-feira, 13 de julho de 2011

Meia-noite em Paris, meio-dia na alma

A fase internacional de Woody Allen, que se inicia com o thriller classudo Match Point, logo após uma trilogia de filmes que representou o ponto mais baixo de sua carreira, evidencia, a um tempo, uma capacidade única de abordar com leveza e humor temas universais e, a despeito de seu cosmopolitismo – ou justamente por causa dele-, uma percepção aguda e irônica das particularidades dos locais-temas de suas novas produções, sejam Paris, Barcelona (Vicky Cruistina Barcelona) ou Londres (além de Match Point, a subvalorizada comédia Scoop e o surpreendente Você vai conhecer o homem dos seus sonhos).

Com seu novo filme, Meia-noite em Paris, ocorre, porém, algo mais: como evidenciam os deslumbrantes cinco minutos iniciais – compostos de tomadas plásticas da cidade-luz, de dia, à noite, de grandes bulevares e de pequenas vielas, de cartões-postais e de endereços anônimos, sempre sob um jazz orquestral dos anos 20 – a cidade de Paris é a principal personagem do filme.

Para dar conta de tão fascinante tema, o diretor promove uma incursão estética, sentimental e cultural à capital francesa, em diálogo, a um tempo, com a riqueza de seu passado e com a unicidade de seu fascínio eterno.

Para tanto, a exemplo do que fizera em Rosa Púrpura do Cairo e em Desconstruindo Harry, o diretor novaiorquino vale-se do fantástico. Pois, a partir do momento em que um escritor californiano em crise, Gil (um surpreendentemente sóbrio Owen Wilson), perdido e ébrio numa madrugada parisiense, embarca num calhambeque Peugeot, é transferido para o passado dos seus sonhos, onde passa a conviver com Scott Fitzgerald, a disputar o amor de uma parisiense com Hemingway, a ter seus escritos revistos por Gertrude Stein e a manter diálogos surreais com os jovens Man Ray, Buñuel e Dali (papel no qual Adrien Brody quase rouba a cena, confirmando o grande ator que é).

Ao contrário do que ocorre com alguma frequência em se tratando de Woody Allen, as piadas de Meia-noite em Paris não soam como sketches postiços adaptados à trama, mas retiram sua graça de elementos a ela próprios (como quando Gil sugere a Buñuel um filme no qual os personagens, convidados para um jantar, não conseguissem deixar a casa do anfitrião – sugestão a qual o futuro diretor de O Anjo Exterminador reage com atônita perplexidade).

Woody confirma, uma vez mais, seu incrível faro para boas atrizes no auge do sex appeal, habilidade que se evidenciara em sua carreira diversas vezes antes, com Mira Sorvino em Poderosa Afrodite, com Charlize Theron em Celebridades, Drew Barrymore em Todos dizem eu te amo e, sobretudo, com Demi Moore e Elisabeth Shue em Desconstruindo Harry. Em Meia-noite em Paris a escolhida é Rachel McAdams (de Sherlock Holmes e Díário de uma paixão), a fútil e esnobe noiva de Gil, a quem a câmera enfoca com avidez fetichista, incluindo uma tomada politicamente incorreta para flagrar o derrière da moça e seu rebolado ao caminhar.

Item sempre em destaque nos filmes de Woody, a música, onipresente, é quase uma protagonista a mais em Meia-noite em Paris. Seja no interior da trama (diegética), com Cole Porter ao piano ou Josephine Baker cantando, seja na trilha sonora que vai de Lucienne Boyer a charlestons; nos típicos acordeons da música popular francesa, em guitarras que promovem uma fusão do flamenco com o jazz, ou nas versões solo e orquestrais deste, a impressão que se tem é de uma seleção refinada do melhor da música produzida na Paris do início do século XX, em diálogo, contraponto ou reforço com o universo das imagens.













Em relação a estas, os que ainda alimentavam saudades do grande Carlo Di Ponti, responsável pelos filmes melhor fotografados de Woody – incluindo Todos dizem eu te amo, primeira incursão do diretor novaiorquino por cenários parisienses – têm agora um motivo de alento: a direção de fotografia do iraniano Darius Khondji (A Praia; Delicatessen; Beleza Roubada) dialoga com a tradição pictórica francesa e aposta em cores quentes – laranja e amarelo, notadamente - para a iluminação de rostos e corpos, de forma a destacá-los de um segundo plano escuro e”frio”, com tons predominantes de marrom e verde. O resultado é uma sinfonia visual de alto nível, que atinge seu ponto mais alto na ronda noturna de Gil e da musa dos vanguardistas Adriana (Marion Cottilard, cuja atuação é irregular).

Meia-noite em Paris é um filme para ser visto de bem com a vida, de preferência a dois, para, tal qual os personagens no filme, sair do cinema e continuar vivendo a atmosfera de romantismo e efervescência que Paris evoca e que contagia a todos na tela.


(Imagens retiradas,m respecrtivamente, de 1, 2, 3, 4, 5, 6)

Um comentário:

Anônimo disse...
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