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quinta-feira, 11 de junho de 2009

Lei mira preconceito contra homossexuais

(Imagem retirada daqui)

Sou a favor do casamento gay, da adoção de crianças por homossexuais de ambos os sexos e da plena inserção social (jurídica, política, trabalhista) de gays e lésbicas, abominando qualquer forma de discriminação contra esses cidadãos e cidadãs.

Mais do que isso: anseio por um dia em que não passe pela cabeça de ninguém perguntar a uma mãe ou a um pai o que eles sentiriam se tivessem um filho homossexual (tema que VP analisa com muita sensibilidade).

Por isso mesmo, sou contra o Projeto de Lei da Câmara (PLC) 122/2006, na forma como ora redigido - ousando discordar, portanto, de meu ídolo Idelber Avelar, cujo post de hoje, repleto de comentários interessantes, inspirou a redação deste artigo. (A íntegra do PLC pode ser lida aqui. Aproveite e divirta-se com o uso da gramática por nossos bem-remunerados legisladores, que cometem, em documento oficial, pérolas como “o artigo serão”.)

A referida lei criminaliza não apenas a discriminação e o preconceito por orientação sexual, mas por raça, religião e procedência nacional, entre outros, mas tem sido mais identificada com os homossexuais por conta de campanhas pró-aprovação movidas por sua militância.

Três artigos são particularmente problemáticos: o 4º., que pune o empregador que demitir gays ou lésbicas por conta de sua opção sexual; o 6º., que combate a discriminação em “qualquer sistema de seleção educacional, recrutamento ou promoção funcional ou profissional”; e o 7º. - “Sobretaxar recusar, preterir ou impedir a locação, a compra, a aquisição, o arrendamento ou empréstimo de bens móveis ou imóveis de qualquer finalidade”. As penas previstas variam de 1 a 5 anos de reclusão.

A primeira questão é: como se vai determinar que a pessoa foi demitida (ou reprovada na escola ou impedida de alugar uma casa) por conta de sua opção sexual e não por outra razão? A não ser que haja um episódio (ou vários) que claramente caracterize o preconceito, será extremamente difícil a produção de provas que, do ponto de vista jurídico, estabeleçam indubitavelmente tal premissa. Mas, para deleite da mídia, estará aberto o caminho para a difamação e a acusação fácil.

Não é preciso ser nenhum gênio para deduzir que essa lei fará com que os empregadores, a despeito da ameaça de punição se preterirem homossexuais no sistema de recrutamento, pensarão duas vezes antes de contratar um funcionário que lhes pareça gay ou lésbica. Preferirão, é claro, um candidato que, na eventualidade de não desempenhar suas funções a contento, possa ser demitido sem maiores receios de retaliação potencialmente escandalosa - e que também não vá à justiça se for preterido por um colega de trabalho na hora da promoção. No campo trabalhista, portanto, a lei prejudica ao invés de beneficiar os homossexuais.

Mas o aspecto talvez mais problemático do PLC seja o fato de que ele, ao estabelecer distinções e privilégios a determinados cidadãos em detrimento de outros, pratica, em sentido inverso, a discriminação que quer combater, ao mesmo tempo em que cria uma casta de privilegiados perante a lei. Ao estabelecer a desigualdade entre iguais, tal operação afronta de forma notória não só a Declaração Universal dos Direitos do Homem, mas a própria Constituição brasileira, em seu quinto artigo.

Como se não bastasse essa criação inconstitucional de duas classes de cidadãos – uma com maiores direitos perante a lei do que a outra – o PLC 122/2006, como aponta, em comentário que merece ser lido na íntegra, Felipe de Carli, reforça a mania brasileira (importada dos EUA desde o início dos anos 90) de apostar na criminalização como panacéia fácil para todos os males, ao invés de formular soluções criativas que incluíssem campanhas de conscientização, projetos educacionais e planos de promoção da integração de setores da sociedade alvos de preconceito e discriminação.

Já há figuras jurídicas na legislação atual às quais os homossexuais que se sintam discriminados podem recorrer (como a Lei nº 10948/01, que trata especificamente de discriminação sexual e que tem servido de base para a obtenção de indenizações por danos morais) e, como reconhece a advogada e editora do site Amor Legal (de "defesa da causa homossexual com informação jurídica"), Sílvia Maria Mendonça do Amaral, "o Poder Judiciário vem se manifestando de forma solidária ao segmento GLBT, fazendo com que as leis sejam adequadas à nossa realidade atual".

Em relação aos deploráveis assassinatos e casos de violência contra gays, “se o que se quer é evitar homicídios e lesões motivados pela homofobia, já temos os tipos penais de homicídio (inclusive qualificado pelo motivo torpe, em que a homofobia sem dúvida se encaixa) e de lesões corporais”, observa de Carli. Se se preferir continuar insistindo na comprovadamente ineficaz criminalização, o caminho seria endurecer as penas para tais delitos quando ligados à homofobia, e não criar uma legislação específica para crimes já previstos no Código Penal.

É ilusão achar que a lei prestes a ser votada reduzirá tais atos de violência; ela tende a agravá-los, à medida em que suscitar revolta contra o status diferenciado de seus beneficiários em potencialmente vastas parcelas da sociedade.

Travestido de avanço e defendido por um enorme contingente de pessoas progressistas narcotizadas pelo ópio do politicamente correto à americana, o PLC 122/2006 é um retrocesso, uma ameaça para os próprios gays e lésbicas que pretende beneficiar e uma excrescência jurídica que mira o preconceito mas acaba acertando a Constituição, a qual afronta.

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